Quem nunca assistiu a um filme em que crianças fantasiadas batem de
porta em porta e perguntam: “Travessuras ou Gostosuras” ? Ou então não
se encantou com as centenas de séries, filmes e desenhos animados com
seus magos, bruxas e afins ? Ou não se assustou com algum filme de
terror em que um serial killer mascarado escolhe uma data do
ano para atacar e matar quem estiver em seu caminho ? Isso tudo tem
estreita relação com uma famosa data celebrada no dia 31 de outubro: O
Halloween, ou Dia das Bruxas. O Halloween, como nós o conhecemos, tem
suas origens nas regiões da Gália e as ilhas da Grã-Bretanha, por volta
dos anos 600 a.C. a 800 d.C., mas inicialmente não era relacionado à
bruxaria. A data, na realidade, é um dos festivais do calendário celta, a
comemoração do Samhain (pronuncia-se Souen ou Sauáin,
significa literalmente “fim do verão”, em irlandês), que celebrava o
fim do verão e ocorria entre os dias 30 de outubro e 7 de novembro.
Podemos dizer que o Halloween tem duas origens distintas: a pagã e a
cristã.
A religião celta, o druidismo, não tinha registros escritos. Tudo era
transmitido oralmente e, portanto, perdeu-se um pouco do conhecimento
sobre os significados de determinados conceitos religiosos. Muitos
historiadores discordam com relação a determinadas afirmações sobre as
tradições religiosas célticas. O que se sabe é que o Samhain era uma
festa que comemorava o fim do verão, o início de um novo ano e o final
da terceira e última colheita. Começava-se também o armazenamento das
provisões para o inverno, que lentamente se aproximava. Uma das bases da
sociedade celta era o pastoreamento de ovelhas e gado. No final de
outubro o tempo esfriava mais, e os pastores traziam seus animais para
pastos mais próximos de sua casa, o que geralmente representava
significativas mudanças na rotina diária. Nos meses do outono e do
inverno, todos passavam mais tempo juntos, dentro ou próximo de suas
casas, realizando artesanatos, trabalhos domésticos e armazenando
comida. De acordo
com a tradição celta, a mudança era
considerada como um momento em que as coisas transitam de um estado
para outro. O ponto de equilíbrio entre os extremos era muito caro à
filosofia celta, e o fim do verão era uma representação disso, portanto,
tinha propriedades ditas “mágicas”, ou seja, uma abertura ou conexão
com os mortos, que haviam passado pela última e fatal mudança.
Como era uma data que ficava a meio caminho do solstício de verão e o de
inverno, os celtas a relacionavam ao momento em que o véu entre os
mundos – dos vivos e dos mortos – é mais tênue, e assim, é um festival
dos antepassados, a época de se ligar aos espíritos e aos mais velhos. A
celebração era presidida pelos sacerdotes druidas, que atuavam como
médiuns, incorporando espíritos para que esses pudessem falar com seus
familiares e amigos. Enormes fogueiras eram construídas, e as pessoas se
reuniam para queimar oferendas às deidades. Durante a comemoração, os
druidas usavam trajes específicos, geralmente constituídos de peles e
cabeças de animais. Acreditava-se também que os espíritos dos mortos
naquele ano retornavam para visitar seus antigos lares e guiar os
familiares ao Outro Mundo e que, algumas vezes, esses espíritos
procuravam corpos vivos para possuir e usar pelo tempo que quisessem.
Desse modo, na noite de 31 de outubro todas as tochas e fogueiras eram
apagadas, o ambiente tornava-se hostil e escuro, e as pessoas vestiam-se
com fantasias, folhas e galhadas, desfilando em procissão pelas ruas
para assustar os que procuravam corpos para possuir. Sabe-se também que
os celtas veneravam a constelação das sete estrelas, as Plêiades, que
alcançam seu ponto mais alto no céu setentrional no dia 31 de outubro, e
depois desciam lentamente para o Hemisfério Sul. Por isso, havia a
crença de que o verão sempre voltaria e terminaria com o surgimento das
Plêiades. Todas essas tradições foram adotadas pelos romanos, que
invadiram as Ilhas Britânicas por volta de 46 a.C. Posteriormente eles
abandonaram os costumes, substituindo-os por outros. Com o advento do
cristianismo, a religião celta foi aos poucos desaparecendo, e em meados
do século II d.C. ela praticamente não existia mais, restando apenas
alguns resquícios das celebrações originais. É necessário dizer que,
entre os celtas, o Halloween não tinha uma relação específica com a
bruxaria. Entretanto, os povos célticos da Irlanda que migraram para os
Estados Unidos no início da colonização levaram as tradições do Samhain,
e a festa logo ganhou aceitação local, mesclando-se às histórias de
bruxas contadas pelos índios norte-americanos e, mais tarde, às crenças
em magia negra e vodu que permeavam as religiões dos escravos africanos.
Tradições
O
Halloween, como é celebrado atualmente, apresenta muitas diferenças se
comparado à festa original, restando apenas a alusão aos mortos, ainda
que fracamente. Aos poucos foram sendo incorporados à data elementos
estranhos de diferentes origens, que se popularizaram rapidamente,
principalmente nos Estados Unidos e no Canadá, Isso transformou o
Halloween em um evento principalmente comercial e cultural dos
norte-americanos, que o têm como uma tradição muito especial, perdendo
apenas para o Natal e o Dia de Ação de Graças.
Dentre as tradições acrescidas, temos, por exemplo, o costume de se fantasiar
ou “disfarçar”, que possivelmente teve origem na França entre os
séculos XVI e XV. Nessa época, a Europa era cruelmente flagelada pela
peste bubônica, que dizimou um terço de sua população. Diariamente
milhares morriam, e a cura para a doença parecia simplesmente não
existir. Isso aumentava consideravelmente o temor e a preocupação das
pessoas em relação à morte. A Igreja rapidamente reagiu, multiplicando
as missas realizadas no Dia de Finados e Todos os Santos. Nasceram
também representações artísticas de caráter burlesco ou satírico,
chamadas de Danças da Morte ou Danças Macabras. Na véspera de Finados,
alguns fiéis enfeitavam os cemitérios com desenhos ou pinturas do Diabo
puxando alegremente uma fila de pessoas para dentro das tumbas, fossem
elas reis, cavaleiros, damas, mendigos ou camponeses porque, afinal, a
morte não faz distinções de qualquer espécie. Além disso, também eram
encenadas representações teatrais, com pessoas que se fantasiavam
de diferentes personalidades e também de Morte ou Diabo, à qual todos
os outros personagens deveriam apresentar-se. Esse costume de se
fantasiar na Noite
das Bruxas se mesclou a outro, o de pedir “doces sob a ameaça de uma travessura”.
Na Idade Média, uma das práticas populares do Dia de Finados era pedir
“bolos das almas”, sobremesas de massa geralmente simples com coberturas
de groselha. Quem pedia esses bolos eram as crianças, que passavam de
porta em porta vestindo fantasias chamadas “soulings” (uma referência à
palavra “alma”, ou “almejar”). Para cada bolo ganho, era ofertada uma
oração aos familiares da pessoa que lhe dera o bolo. Essas eram as
orações que ajudariam as pessoas a saírem do purgatório e irem para o
Céu. Uma outra origem possível para essa tradição é inglesa, no período
histórico de perseguição protestante contra os católicos (mais ou menos
de 1500 a 1700). Os católicos ingleses haviam sido privados de seus
direitos legais, não podendo exercer nenhum cargo público e tendo
pesadas multas, impostos e prisões contra eles. Celebrar a missa era
pena capital, e centenas de padres sofreram as conseqüências da
desobediência. Logo houve uma tentativa um atentado contra o rei
protestante Jorge I, em que o objetivo era explodir o Parlamento e
matá-lo, gerando um levante de católicos contra a opressão. Os católicos
conspiradores esconderam 36 barris de pólvora nos subterrâneos da Casa
dos Lordes. O plano ficou conhecido como “Gunpowder Plot” (“Conspiração
da Pólvora”), e foi rapidamente descoberto em 5 de novembro de 1605,
quando um católico convertido chamado Guy Fawkes foi pego escondendo
pólvora em sua casa. Ele foi enforcado logo em seguida. A data de sua
morte tornou-se uma grande festa na Inglaterra, que ainda é celebrada
atualmente, principalmente com fogueiras. Alguns protestantes comemoram
usando máscaras e visitando os amigos e parentes católicos,
exigindo-lhes cervejas, doces, ou pastéis. A festa foi trazida para os
Estados Unidos pelos colonos, que a uniram ao Halloween, já introduzido
pelos imigrantes irlandeses. A frase “travessuras ou gostosuras” (em
inglês, “trick or treat”) também é originária dos irlandeses, que a
popularizaram nos Estados Unidos.
Existem também algumas evidências históricas de que “travessuras ou
gostosuras” tenha sido uma atividade comum da tradição celta original.
Já sabemos que eles vestiam fantasias demoníacas, desfilando pelas
cidades para afugentar os espíritos vagantes que desejavam corpos. Além
disso, as crianças iam caminhando de porta em porta, pedindo lenha para
uma enorme fogueira, que seria o centro da celebração, sendo apagadas
todas as outras
fogueiras
e lampiões do vilarejo. No fim da festa, cada um levaria para casa um
graveto com uma chama da fogueira central, como símbolo da unidade entre
as pessoas do local. É possível também que os sacerdotes druidas se
vestissem como os deuses, incorporando as características de um ou
outro, e também existe a possibilidade de que eles passavam de casa em
casa pedindo comida como oferenda às divindades. Alguns historiadores
aceitam evidências de que os celtas realizavam sacrifícios de animais e
até mesmo humanos em suas celebrações. Essas evidências não são
convincentes, já que os principais relatos desses costumes rituais são
do imperador romano Júlio César, que conquistou a Gália e a Bretanha,
registrando tudo o que descobriu sobre as novas terras. De acordo com
ele, os druidas criavam enormes esculturas feitas com galhos e ramos de
árvores, queimando as pessoas ali dentro. É consenso entre muitos
estudiosos que César pretendia desmoralizar os druidas por despeito, já
que eles resistiram fortemente à invasão romana, podendo muito bem ser
uma visão preconceituosa contra os povos “bárbaros”, que não faziam
parte das fronteiras do Império.
Quanto às “travessuras”, podemos dizer que os celtas acreditavam em
diversas criaturas travessas, como fadas, duendes e elfos, e o
Halloween, como momento de transição entre os mundos, seria o dia que
essas criaturas escolhiam para fazer suas brincadeiras. Dizia-se, por
exemplo, que se uma pessoa atravessasse um outeiro numa noite de luar,
ela ficaria presa Reino dos duendes, onde o tempo não passa. Podemos
também supor que a véspera do Ano Novo celta era igual à nossa, ou seja,
as pessoas bebiam exageradamente, se divertiam e faziam besteiras, uma
espécie de “loucura coletiva”. A tradição das travessuras, segundo essa
concepção, seria simplesmente o espírito de farra que permeava o último
dia do ano.
A abóbora iluminada
Já
sabemos que no fim da festa de Samhain os celtas levavam para casa uma
brasa da fogueira comunitária central. Geralmente eram utilizados nabos
ocos para o transporte, uma espécie de lanterna que lembrava muito as
abóboras utilizadas na comemoração do Halloween. Essa não é, entretanto,
a origem direta do costume de iluminar abóboras recortadas com feições
humanas. O folclore irlandês do século XVIII era muito rico em
superstições, tradições e cultura celta, que fazia parte significativa
da cultura nacional. Um dos mitos mais conhecidos dos irlandeses era o
do Jack Miserável, um personagem muito popular.
De acordo com a lenda, Jack era um velho fazendeiro alcoólatra, muito grosseiro, e um avarento de péssima
reputação.
Numa noite de 31 de outubro, ele bebeu demais e o Diabo em pessoa veio
levar sua alma. Jack lhe implora mais um copo de bebida antes de ser
levado ao Inferno, e o Diabo atende seu pedido. Como estava sem dinheiro
para pagar o trago, ele pede ao demônio que se transforme em uma moeda,
no que ele concorda. Quando vê a moeda sobre a mesa, Jack a coloca
rapidamente em uma carteira que possuía o fecho em formato de cruz,
impedindo Satã de sair. O Diabo, furioso, ordena que Jack o tire dali, e
o trapaceiro lhe propõe um acordo: libertá-lo em troca de ficar na
Terra por mais um ano. Sem opções, o Diabo concorda. Jack até tenta
mudar de conduta, mas acaba voltando a ser o velho beberrão violento de
sempre. No ano seguinte, como prometido, o Diabo lhe aparece na Noite de
Todos os Santos, desta vez para levá-lo definitivamente. Espertalhão,
Jack convence o demônio a subir em uma árvore para pegar umas maçãs, a
última refeição que ele faria. Ele faz cruzes no tronco da árvore com
seu canivete, impedindo novamente o Diabo, que promete desaparecer por
dez anos se fosse liberto. Jack não aceita, e exige que o Diabo não lhe
aborreça nunca mais, deixando-o em paz para sempre. O Diabo acaba
aceitando, e Jack o deixa descer da árvore. No ano seguinte, por azar,
ele acaba morrendo. Sua alma, ao chegar no Céu, é prontamente barrada,
já que ele teve péssima conduta em vida, cheia de pecados e erros
incorrigíveis. Jack tenta entrar no Inferno, mas o Diabo, para honrar o
acordo, e talvez temendo mais uma trapaça, também não o aceita. Desse
modo, Jack é condenado a vagar pela eternidade no Limbo entre os Reinos
da Terra, do Céu e do Inferno. Assim que Satã o rejeita, ele lhe joga
uma brasa para iluminar seu caminho no escuro e tenebroso Limbo. Jack
coloca o fogo dentro de um nabo oco, e sai vagando pelos entre-mundos. A
lenda diz que sua alma penada, conhecida como Jack O´Lantern,
vaga pela Terra carregando sua lanterna na Noite de Todos os Santos, em
que os véus entre os mundos caem. As lanternas feitas com nabos ocos e
brasas ou velas dentro eram muito populares entre os escoceses e
irlandeses, que as penduravam nas portas de casa e jardins para evitar
Jack e outros espíritos errantes do Halloween, alem de também serem
representações das almas falecidas. As famílias desses povos que
emigraram para a América levaram essa tradição folclórica, substituindo
os nabos pelas abóboras, que eram mais abundantes e mais fáceis de
cortar. Logo surgiu a idéia de criar caras assustadoras e outros
desenhos artísticos nas abóboras, um costume preservado até os dias de
hoje. Interessante lembrar que a cabeça, para os celtas, era o centro do
intelecto e da mente, sendo a parte mais poderosa do corpo, o que
talvez justifique a transformação da abóbora na cabeça de Jack. Quanto a
ele, provavelmente continua vagando pelo Limbo, e no Dia das Bruxas,
faz sua visita à Terra… J
As Bruxas e outras tradições
A
festa do Halloween, principalmente nos Estados Unidos e Canadá, se
desenvolveu enormemente após 1800, quando os imigrantes irlandeses a
importaram da Europa. A partir daí, muitas coisas relacionadas à festa
mudaram, surgiram novas tradições e novos costumes. Entretanto, o tema
principal do Halloween é o mesmo, ou seja, o mistério que existe entre a
vida e a morte. Principalmente nos Estados Unidos, criou-se toda uma
cultura de massa envolvendo o dia 31 de outubro, com diversos filmes de
Hollywood, casas assombradas abertas à visitação, lendas urbanas,
milhares de cartões, fantasias e decorações assustadoras. O faturamento
total do comércio nessa data só perde para o Natal. As crianças se
divertem com suas fantasias, brincando de travessuras ou gostosuras, e
os adultos por vezes também se fantasiam para acompanhá-las na
brincadeira. Psicologicamente, diz-se que esse é um saudável costume, já
que as fantasias de monstros, fantasmas, vampiros e bruxas representam
justamente os medos e horrores das pessoas, e travestir-se com eles pode
ajudar a eliminá-los. Muitos jogos também são comuns, como a
brincadeira de morder a maçã, originária de antigas práticas
divinatórias dos celtas. Nesse jogo, as frutas flutuam em bacias grandes
cheias de água ou banheiras, e o participante que conseguir morder a
maçã primeiro vence. Entre os celtas, isso era sinal de que a pessoa
logo se casaria, e ainda hoje, os jogos mais comuns das festas de
Halloween envolvem futuros romances. A data também é muito aproveitada
para o lançamento de filmes ou livros de horror, além de episódios
especiais de séries famosas, que se utilizam da data para a criação de
roteiros.
Uma outra figura também se tornou fundamental no Halloween: a Bruxa.
Com a união da cultura européia de raízes célticas dos irlandeses com as
religiões afro-americanas dos escravos, a bruxaria tornou-se
rapidamente um fator-chave para o Halloween. As superstições em relação a
feitiços, encantamentos e vodu aumentaram cada vez mais, e é comum
encontrarmos histórias de horror envolvendo bruxas nessa época do ano. O
neopaganismo moderno, do qual destaca-se a religião Wicca,
considera o Halloween como um dos oito Sabats, ou cerimônias sazonais,
comemorados pelos praticantes no decorrer do ano. Para os wiccanos, o
Samhain é o momento em que o Deus consorte da Divina Mãe morre, deixando
a Terra solitária, já que o Sol aos poucos vai perdendo a força e o
vigor. A Deusa então envelhece, tornando-se a imagem da Velha Sábia, a
bruxa. O Deus retornará no próximo Sabat, o Yule, ou Solstício de
Inverno, no dia 25 de dezembro.
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Filmes para entender melhor o Halloween:
Halloween (1978 – 2002, a série toda), de John Carpenter
Elvira, a Rainha das Trevas (1988), de James Signorelli
Abracadabra (1993), de Kenny Ortega
Da Magia à Sedução (1998), de Griffin Dunne
A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1999), de Tim Burton
.
Imagens
The Magic Circle by John William Waterhouse
The Incantation by Francisco de Goya y Luciente
Three Witches in The Air by Francisco de Goya y Luciente
Witches´ Sabbat by Francisco de Goya y Luciente
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